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domingo, 19 de novembro de 2017

Poesia - Cadáveres Insepultos: Retrato Da Ditadura Militar No Brasil (1964-1985) / Samuel Tenório



Na noite mansa procuro o sono distante
De súbito escuto o altivo grito relutante
Do vovô… norteado na luz do dormitório
O vejo sentado entreolhando os dedos
Ao tremor do fatigado corpo os medos.
“Não, não aguento… mais um interrogatório”.

O abraço com o intuito de confortar
Involuntariamente se faz a apertar
O meu pescoço com força rigorosa,
É notório que o pesadelo o amargura
O tempo deixou inexorável gravura
Na desvalha singular de noite perigosa.

Meu neto… eu estou sozinho e perdido.
Por mais que tento esquecer sou rendido
Pôr as sóbrias lembranças do passado
Não gosto de falar o que aconteceu
Pois o meu filho castigado faleceu
Nas falanges avisto o sangue repousado.

Não tinha muito o que fazer
Rendidos perdemos o prazer
De viver. Homens apossados do poder
Dizia está livrando os brasileiros
Do comunismo, os males derradeiros
Afirmando de nunca nos ofender.

Antes fosse todo o mal nos advir
Não haveria do que se prevenir.
O discurso deles foi pervertido
Os filhos da terra torturados,
Mães e pais desesperados
Sentença do sofrer prometido.

O som do molho de chaves noticiava
A tortura de mais um. O guarda apreciava
Cada segundo a cumprir o dito trabalho
A única ordem de não matar fisicamente
“De resto não importa devaste a mente
Tire a informação sem cometer o ato falho”.

Todos nós nus para o primeiro exercício
Chutes no abdômen… Usando do seu artifício
Para os choques elétricos nas partes genitais
Vômito, urina, sangue… em quantidade
Exageradas. Movido de perversidade
Toma em consumar os anseios letais.

Nos mais e mais espancamentos
Resultando árduos sofrimentos
Demuda os corpos em outras cores…
Ideias em desordem se fazem insanos
Carência do alimento estes comem panos
Para as atrocidades somos sempre atores.

“O que foi filho? Falei por demais…
Devia seguir o conselho de jamais
Falar para ti. Tu tinhas 7 anos de idade
Passasse anos nos melhores tratamentos
Psicológicos, não existem mais fragmentos
Que o faça lembrar-se da atrocidade.

Ele cai de joelhos no piso de cimento.
“Não, não vovô… Antes tal ensinamento
Compilasse e sumisse o que avistei”.
As lágrimas escorrem sobre o rosto…
Eu fiz de tudo que mim foi proposto
Tudo em seus detalhes ainda eu sei.

Assisti as mães seres violentadas
Sexualmente com os pés e as mãos atadas
Depois exposta sobre o pau de arara.
Na vagina colocava baratas,
Piolhos, formigas e as insaciáveis ratas,
Com todo isso minha inocência tirara.

Mãe e pai mortos por não responderem
Quem era a Alcina, por que aterem
A dar tal resposta e garantir a existência?
Militantes nunca desistem da luta
A falta é uma infrequente conduta
Os planos conservados na consciência.

Filho! Alcina, Alcina, não existiram
Na militância, mas não desistiram.
Torturava-nos a fim de saber quem é
Hoje sei que o povo em insanidade
Luta nas forças abatidas por liberdade
Conectados na mais incessante fé.  

Meu avô… do mau eu sou o herdeiro
Nunca fui o meu ser verdadeiro
No corpo de criança já adulto
Noites tenho os pesadelos mais insanos
Relembrando os tristes feitos desumanos
De resto somos cadáveres insepultos.

Escritor e poeta: Samuel Tenório
26 e 27 de outubro de 2017



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