Na noite mansa procuro o sono
distante
De súbito escuto o altivo grito
relutante
Do vovô… norteado na luz do
dormitório
O vejo sentado entreolhando os dedos
Ao tremor do fatigado corpo os
medos.
“Não, não aguento… mais um interrogatório”.
O abraço com o intuito de confortar
Involuntariamente se faz a apertar
O meu pescoço com força rigorosa,
É notório que o pesadelo o amargura
O tempo deixou inexorável gravura
Na desvalha singular de noite
perigosa.
Meu neto… eu estou sozinho e perdido.
Por mais que tento esquecer sou
rendido
Pôr as sóbrias lembranças do passado
Não gosto de falar o que aconteceu
Pois o meu filho castigado faleceu
Nas falanges avisto o sangue
repousado.
Não tinha muito o que fazer
Rendidos perdemos o prazer
De viver. Homens apossados do poder
Dizia está livrando os brasileiros
Do comunismo, os males derradeiros
Afirmando de nunca nos ofender.
Antes fosse todo o mal nos advir
Não haveria do que se prevenir.
O discurso deles foi pervertido
Os filhos da terra torturados,
Mães e pais desesperados
Sentença do sofrer prometido.
O som do molho de chaves noticiava
A tortura de mais um. O guarda
apreciava
Cada segundo a cumprir o dito trabalho
A única ordem de não matar
fisicamente
“De resto não importa devaste a
mente
Tire a informação sem cometer o ato
falho”.
Todos nós nus para o primeiro
exercício
Chutes no abdômen… Usando do seu
artifício
Para os choques elétricos nas partes
genitais
Vômito, urina, sangue… em quantidade
Exageradas. Movido de perversidade
Toma em consumar os anseios letais.
Nos mais e mais espancamentos
Resultando árduos sofrimentos
Demuda os corpos em outras cores…
Ideias em desordem se fazem insanos
Carência do alimento estes comem
panos
Para as atrocidades somos sempre
atores.
“O que foi filho? Falei por demais…
Devia seguir o conselho de jamais
Falar para ti. Tu tinhas 7 anos de
idade
Passasse anos nos melhores
tratamentos
Psicológicos, não existem mais
fragmentos
Que o faça lembrar-se da atrocidade.
Ele cai de joelhos no piso de
cimento.
“Não, não vovô… Antes tal
ensinamento
Compilasse e sumisse o que avistei”.
As lágrimas escorrem sobre o rosto…
Eu fiz de tudo que mim foi proposto
Tudo em seus detalhes ainda eu sei.
Assisti as mães seres violentadas
Sexualmente com os pés e as mãos atadas
Depois exposta sobre o pau de arara.
Na vagina colocava baratas,
Piolhos, formigas e as insaciáveis
ratas,
Com todo isso minha inocência
tirara.
Mãe e pai mortos por não responderem
Quem era a Alcina, por que aterem
A dar tal resposta e garantir a
existência?
Militantes nunca desistem da luta
A falta é uma infrequente conduta
Os planos conservados na
consciência.
Filho! Alcina, Alcina, não existiram
Na militância, mas não desistiram.
Torturava-nos a fim de saber quem é
Hoje sei que o povo em insanidade
Luta nas forças abatidas por
liberdade
Conectados na mais incessante fé.
Meu avô… do mau eu sou o herdeiro
Nunca fui o meu ser verdadeiro
No corpo de criança já adulto
Noites tenho os pesadelos mais
insanos
Relembrando os tristes feitos
desumanos
De resto somos cadáveres insepultos.
Escritor e poeta: Samuel Tenório
26 e 27 de outubro de 2017